quinta-feira, 13 de março de 2008

VISEU, LINDA CIDADE MUSEU...

“Antiqua et nobilíssima”. Assim se define a cidade de Viseu numa legenda de brasão. Tão antiga que impossível se torna contar o tempo desde a sua fundação. De tal nobreza, que leva muito tempo a enumerar as residências de fidalguias antigas, a enumerar gente de bem multiplicada em gerações de anónimos obreiros de bem servir.
Implantada no centro da Beira, assenta seus fundamentos na solidez do granito que lhe define o carácter e historicamente lhe construiu seu corpo e, em inteireza igual, lhe moldou a alma.
(…)
Em sintonia com esta imagem, está o jeito do viver beirão de seus moradores e a cidade oferece-se como casa franca, com mesa posta sobre toalha de linho onde o pão tem ainda o sabor das origens e o vinho a cor e o paladar que traz das encostas soalheiras.


Alberto Correia
In, Viseu,
Editorial Presença,
Lisboa, 1989

O JOGO DA REZA


“ – Mingar, mingar,
para sempre rezar.
– Reza!...”

O mandar rezar, era um jogo de meninos e decorria por toda a Quaresma, tendo o seu términos no Sábado Maior ao toque da Ressurreição do Senhor que acontecia, por estas terras, ao meio dia.
Este jogo iniciava-se logo após o fim do Carnaval e tinha o seguinte ritual: os meninos enganchavam os dedos mindinhos, normalmente os da mão direita, e diziam, abanando a mão:
“ – Mingar, mingar,
para sempre rezar.
– Reza!...”
Após este ritual, combinava-se o que cada um teria, caso perdesse, de dar ao outro no fim do jogo que só terminava, como já foi dito, no Sábado maior. O compromisso de mandar rezar estava selado e cada um deles já sabia que, Quaresma fora, cada vez que passasse pelo parceiro de brincadeira, teria de o mandar rezar. Se o não fizesse, não vinha daí mal ao mundo uma vez que não perdia nem ganhava nada com isso. Só no Sábado Maior é que a brincadeira era realmente levada a sério. Quem neste dia fosse mais lesto e mandasse rezar o parceiro primeiro, recebia do perdedor a paga estipulada no início do compromisso: amêndoas, línguas de gato, beijinhos e outras iguarias pouco habituais ao longo do ano mas que nesta época sempre apareciam um pouco por todas as casas da aldeia.
Neste dia era ver a pequenada, cosida às paredes, a tentar chegar, sem ser notada, junto dos parceiros e, apanhando-os desprevenidos, mandá-los rezar. As artimanhas eram mais que muitas. Pelos quinteiros, colados aos muros, à espreita por uma qualquer fisga na parede, lá estavam, horas a fio à espera. Quantos não se escondiam dentro de suas casas e pelos postigos mandavam rezar o parceiro que á esquina da rua esperava, pacientemente, a saída do colega de brincadeira. Outros escondiam-se nos sótãos e levantando, habilmente, uma telha lá apanhavam os parceiros desprevenidos. Valia tudo!
– Reza, Maria.
– Reza, Jaquim.
– Reza, Manel...
Reza...; Reza...; Reza..., ouvia-se ecoar, um pouco, por toda a aldeia. O perdedor, furioso por ser apanhado, ainda argumentava que não valeu porque..., que o outro fez batotice..., e tal e tal..., mas já não havia volta a dar, teria mesmo de pagar a dívida que, regra geral, era levada a sério e sempre saldada no dia seguinte. Estes Homenzinhos de palmo e meio, honravam sempre a palavra dada.

A título de curiosidade:

Por estas bandas, dizia-se: “ – Mingar, mingar,
para sempre rezar.
– Reza!...”
Em terras de Lafões, o ritual era, ligeiramente, diferente:
“ – Enganchar, enganchar
para dia de Páscoa me dares o folar.
De hora em hora, dia em dia,
Até Sábado de Aleluia.
– Reza.”
No Alto Paiva, os meninos enganchavam os dedos e diziam:
“ – Enganchar, enganchar,
para em toda a Quaresma
te mandar rezar.
– Reza.”
Era assim por toda a Beira e, com pequenas variantes, um pouco por todo o país.

Maria Odete Madeira
(Chanceler-Mor da Confraria de Saberes e Sabores da Beira, “Grão Vasco”)

O CALDO TRULURU

A. Lopes Pires


Para o povo português, no passado, um passado ainda não muito distante, sobretudo para as populações do nosso interior serrano, inóspito e agressivo, o caldo constituiu a grande, quando não a sua única forma de cumprir as refeições do dia-a-dia.
A panela – ó que belas e saborosas as panelas de ferro, de três pernas – posta ao lume logo pela manhã, ali se mantinha o dia inteiro, sempre pronta a responder, enquanto podia, às muitas solicitações dos membros da família, principalmente da canalha miúda, que por ali passava em busca de com que compor estômagos famintos, cedo dilatados por quantidades suprindo qualidade.
Seu complemento natural era o pão, o pãozinho de Nosso Senhor de que não se podia perder migalha por mais ínfima, a broa do milho da nossa Beira, esmiolado para engrossar um pouco mais, sempre cultivado com geral carinho e mil canseiras:
Eram as sementeiras começadas ainda o dia era noite e tantas vezes terminadas quando o dia já não era.
Ele eram as sachas e as mondas debaixo do sol tórrido, impiedosamente caído sobre as costas curvadas das mulheres que, em uníssono, alegravam os campos com as dolentes e tristes cantigas onde embrulhavam suas mágoas.
Ele eram as regas a balde dos porcos nos poços de cegonha do tempo dos moiros, a poder de braços moídos por tantas horas a fio empurrando para baixo, puxando para cima.
Ele eram as escanadas, o corte, a alegre escamisada onde a troco de muito trabalho gratuito e uma pouca de broa que umas pobres azeitonas ajudavam a engolir e, quem sabe, uma pinga de água-pé, talvez se pudesse roubar um beijo saboroso.
Ele era a malha já na eira ao som de cantilenas mais parecendo urros furiosos de quem vê as forças a minguar e o que-fazer nem por isso.
Ele era, enfim, o guardar em arcas, mais vezes arquinhas que arcazes, o resultado de tão canseirosas diligências.
Tudo por causa do pãozinho de Nosso Senhor, apanhado pressurosamente e com carinho, absolvido por carinhoso beijo, sempre que mãos descuidadas deixavam cair em terra qualquer migalho que fosse.
Pãozinho de Nosso Senhor que bem casava com o caldo da panela de três pernas, feito de couves ou nabiças, de feijão miúdo ainda não seco ou de abóbora, de cabeças de nabo ou de algumas plantinhas crescendo livremente por aí, muitas vezes aromatizado com outras também por aí crescendo.
Com o caldo truluru é que não. Com este caldo ninguém casava. Nem os espigos, nem os trêpelos, nem as batatas, nem as cebolas, nem os feijões, nem nada. Muito menos o pãozinho de Nosso Senhor.
Com este triste caldo, o caldo dos mais pobres, dos verdadeiramente miseráveis, só casavam as cabaças. Ainda verdes, cortadas aos pedaços, com umas areias de sal, lá ferviam, ferviam até que os dentes lhes pudessem entrar e até que dessem a ideia terem ajudado a engrossar aquela água chilra, uma triste augaritana . Era o caldo truluru que, como dizia o povo, ainda bem não está na boca, já está a sair do cu.

FESTIVAL DO CALDO 2007


A DOÇARIA TRADICIONAL PORTUGUESA

A grande revolução da doçaria portuguesa dá-se no final do séc. XV com a introdução do açúcar nas cozinhas monásticas.
Muito embora se saiba que durante o período do domínio árabe sobre a Península Ibérica, a confecção de doces constituísse uma prática comum desse povo, provavelmente através da utilização da farinha de alfarroba que possui, em média, 48% a 56% de açúcar, é com a generalização da exploração das plantações de cana de açúcar no arquipélago da Madeira que o açúcar passa a constituir um ingrediente comum no âmbito da nossa culinária.
Quando falamos da doçaria tradicional portuguesa, associamo-la, normalmente, aos doces conventuais não só pelo facto de, efectivamente, ter sido nos conventos e mosteiros que nasceram os mais requintados doces portugueses, como ainda pelo facto de essa sua marca se ter perpetuado pelo tempo fora através da sua designação. Como exemplo disso temos os famosos papos de anjo, o toucinho-do-céu; as barrigas de freira, os tachinhos de abade, o pudim do abade de priscos…
Se por um lado, os conventos e mosteiros, na sua grande maioria fundados por reis e príncipes que, através de forais, mercês e padroados por eles atribuídos, lhes garantiam, por si só, uma subsistência abastada e farta, por outro lado, o facto de acolherem nas suas Regras as filhas da nobreza e das famílias mais ricas, portadoras de um conjunto de saberes relacionados com os seus hábitos alimentares e receitas familiares, levou a que a conjugação destes dois aspectos criasse as condições ideias para que, no seio dessas instituições, nascessem tão aprimoradas preparações gastronómicas e, entre elas, os mimos de uma doçaria rica e complexa que só alguns, os escolhidos, tinham o prazer de provar e de, com elas se deliciarem.
As receitas e métodos de confecção constituíam património dos conventos, havendo por parte das freiras o compromisso de, ciosamente, guardarem tal tesouro. Fazia-se nessa altura a distinção entre a doçaria requintada e apurada, farta em açúcar e ovos, cuidadosamente seleccionada para as ocasiões especiais e que só era servida à mesa dos reis, do clero, dos nobres e da alta sociedade e a doçaria de confecção mais simples, normalmente os bolinhos e biscoitos que as próprias congregações classificavam de doçaria pobre.
Estas autênticas maravilhas saídas das tão prendadas mãos das freiras ganharam nome por toda a Europa e durante várias centenas de anos, este saber foi-se acumulando e evoluindo fruto de uma longa experiência, da introdução de novos ingredientes, de muitas horas de trabalho com dedicação, paciência e devoção que as freiras, conscientes da sua importância, lhes dedicavam.
Mais tarde, com a extinção das Ordens Religiosas em Portugal em 1834 e confrontadas com a necessidade de garantir a sua subsistência algumas freiras começaram a comercializar, entre outras coisas, a tão requintada doçaria pela qual os seus conventos se tinham tornado tão famosos. Para além disso, o facto de, nessa altura, algumas freiras e sobretudo as serviçais dos conventos terem sido, de alguma forma obrigadas a regressar às suas casas, levou, naturalmente, a que a confecção dos doces, até então “propriedade” dos conventos se alargasse também à comunidade.
Foi com alguma fuga de informação e com a “tradução” das notas manuscritas de muitos arquivas dos mosteiros que, gradualmente, os doces conventuais foram integrando as receitas tradicionais portuguesas e chegaram até aos dias de hoje, proporcionando-nos, o grato de prazer de nos deleitarmos com tais iguarias de comer e chorar por mais, não fosse a ideia de uns quilitos a mais a travar tão impetuosos desejos.

Conceição Matos

A NOBRE TAÇA DOS CAVALEIROS

A Nobre Taça dos Cavaleiros é um troféu entregue pela Confraria a todos os Confrades entronizados, como símbolo de união e de solidariedade.

HISTORIAL DA CONFRARIA


A Confraria de Saberes e Sabores da Beira “Grão Vasco” nasceu a 19 de Abril de 2002, em Viseu, tendo como expoente máximo o burilamento depurado de saberes e de sabores, que não encontramos nos canhenhos da escola nem nas enciclopédias, mas no trabalho de descoberta a empreender na arca da memória colectiva, relevando a preservação e promoção do património gastro - enófilo da região.
A Confraria tem como Patrono principal o Pintor Renascentista Grão Vasco.
Esta associação cívica e cultural funciona de forma descentralizada com actividades divididas por três conselhos temáticos, a saber:
· Conselho Enófilo - adoptou como patrono o Infante D. Henrique, primeiro Duque de Viseu;
· Conselho Gastronómico - tem como patrono Aquilino Ribeiro, distinto escritor da beira;
· Conselho de Artes de Tradições – escolheu para patrono Augusto Hilário, célebre poeta e fadista viseense.
Saliente-se que estes três conselhos se subdividem em Arcas especializadas.
As grandes realizações sociais levadas a cabo pela Confraria são os capítulos de periodicidade trimestral, coincidentes com as estações do ano.
A Confraria tem, ainda, sob a sua responsabilidade a organização de eventos com enorme significado e projecção na região, destacando-se:
§ Jantares Confrádicos mensais, onde, a par do convívio e da degustação dos sabores da tradição, há lugar para pequenas tertúlias com temas de excepcional interesse;
§ Festival Anual do Caldo, cuja fama já passou para lá das fronteiras da Beira;
§ Congresso de Artes e Tradições, com a participação de prelectores de reconhecido valor;
§ Comemoração do Dia Nacional do Vinho, em louvor de Baco que brindou a beira com vinhos de excelente qualidade.
O acto de Entronizar é o momento mais nobre que lustra a vida de uma Confraria. É, por isso, que, anualmente, ocorre o Capitulo Geral de Entronização.
Os momentos especiais da vida da Confraria são animados pela “Tuna Sabores da Música”, um grupo musical criado no seio da Confraria.