quarta-feira, 16 de dezembro de 2009


É Natal

É dia de ser bom.
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,
de falar e de ouvir com mavioso tom,
de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.


É dia de pensar nos outros e, também, nos que padecem,
de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem.


António Gedeão


A Confraria de Saberes e Sabores da Beira, “Grão Vasco”


Formula os melhores votos de Boas Festas de Natal e Ano Novo a todos os seus Confrades e Amigos

domingo, 29 de novembro de 2009

Confraria nos órgãos sociais das Confrarias

A confraria foi eleita nas ultimas eleições para os Corpos Sociais das Confrarias Gastronómicas Portuguesas Como Vice Presidente da Direcção numa lista Presidida pela Confraria da Chanfana de Vila Nova de Poiares.

CAPÍTULO DE OUTONO

Foi assinalado em Silgueiros, no dia 21 de Novembro de 2009 o Capítulo de Outono. Para este momento de convívio confrádico, o conselho gastronómico elegeu iguarias que se integravam na época e, depois de uma visita ao Museu de Silgueiros, propôs uma ementa composta por caldo verde, arroz de costelas em vinha d' alhos, maçã de Bravo Esmolfe, castanhas assadas e bolo rei e, para acompanhar, vinho tinto do Dão, jeropiga, água e café. Este evento, que decorreu na sede da ASSOPS, contou com a presença do Grão Mestre Lopes Pires, anfitrião desta festa, que proferiu uma comunicação sobre " As Tradições de S. Martinho".






















INFORMAÇÕES



PAGAMENTO DE QUOTAS

Estão a pagamento as quotas relativas ao ano 2009.
De acordo com o estabelecido nos Estatutos da Confraria “Grão Vasco”, cada Confrade compromete-se a pagar uma quota anual, que constitui a única receita própria da Confraria, implicando o não pagamento da referida quota a suspensão da participação na actividade confrádica.
A constatação de que um número significativo de Confrades não tem a sua situação regularizada leva-nos a fazer um apelo para a necessidade de actualizarem a sua situação confrádica.
Valor da quota anual: 25€

CAPÍTULO GERAL DE ENTRONIZAÇÃO

Comunicamos a todos os Confrades que, no âmbito da parceria estabelecida entre a Confraria de Saberes e Sabores da Beira “Grão Vasco” e a Casa do Distrito de Viseu no Rio de Janeiro, o próximo Capítulo de Entronização irá decorrer em terras de Vera Cruz (no Rio de Janeiro), no dia 7 de Março de 2010.
Dada a solenidade do evento e as condições excepcionais em que o mesmo se irá desenvolver, gostaríamos de contar a presença dos Confrades que, nesta data, tenham disponibilidade para viajar até ao Brasil.
Oportunamente divulgaremos os pormenores do evento (programa, preços e outras informações).

CAMPANHA DE SOLIDARIEDADE – NATAL

Pelo terceiro ano consecutivo vamos dinamizar a Campanha de Natal. Para que possamos concretizar esta iniciativa e, se possível, alargar a sua dimensão contamos com a participação dos nossos Confrades que, estando interessados em colaborar, poderão entregar na sede da Confraria o seu donativo (bens alimentares, dinheiro, roupa, brinquedos, …).
Em 2007 entregámos 10 Cabazes de Natal; em 2008, 12. Quantos serão em 2009?
Colabore.
A Direcção


quinta-feira, 6 de agosto de 2009


AGOSTO NO RIFONEIRO POPULAR

Pela Senhora de Agosto, às 7 é sol-posto
Pelo S. Lourenço vai à vinha e enche o lenço
Por Santa Maria de Agosto repasta a vaca um pouco
Por Santa Maria vai ver tua vinha e qual a achares tal a vindima
Primeiro dia de Agosto, primeiro dia de Inverno
Quando chover em Agosto não metas teu dinheiro em mosto
Quem em Agosto ara, riqueza prepara
Quem não debulha em Agosto, debulha contra seu gosto
Em Agosto secam os montes e em Setembro secam as fontes
Em Agosto toda a fruta tem seu gosto
Lá vem Agosto com os seus Santos ao pescoço
Não é bom o mosto colhido em Agosto
Nem em Agosto caminhar, nem em Dezembro marear
Pela Senhora de Agosto, às 7 é sol-posto

A FESTA DE AGOSTO

Uma vez apenas em cada ano. No tempo quente do Verão. Agosto.
De longe, de muito longe, no tempo; de perto e de longe, no espaço, rapazes e raparigas, novos, velhos e criançada não pensavam noutra coisa.
Que magia… Era a festa de Agosto. A festa da Senhora. De estalo!
De manhã, na igreja, agora restaurada pelo brasileiro – que também construiu a escola nova para substituir o velho pardieiro – três padres, não contando o pregador, davam a maior importância às solenidades.
À hora do sermão, não bulia uma mosca. Que bem falava o velho padre António! Aquilo, sim. O seu vozeirão subia e descia como mandava a circunstância, desde o tom altissonante do trovão ao cantar das águas cristalinas do ribeiro saltando de pedra em pedra. No fim, todos – orador e ouvintes – puxavam do tabaqueiro ou da ponta do avental; ele, para limpar o suor da calva monumental; os outros para afagar uma lágrima, condição indispensável para o nome do pregador ser respeitosamente repetido e desejado nos sermões das redondezas.
Depois, a procissão. Todos os santinhos, nos seus andores florescidos, vinham à rua para a volta grande, a volta solene das festas de Agosto – pela botica, rua do pelourinho, capela do Santo Cristo, para, de novo, tudo aos seus lugares.
E os pendões. E os anjinhos. E a multidão; cantando uns; rezando outros; agradecendo muitos as graças recebidas; pedindo ajuda para os seus problemas, quase todos.
Retornando à Igreja, quem o não fez antes da Missa, ia agora pagar as promessas e receber a estampa da Senhora.
À tarde e, depois, pela noite fora, a alegria redobrava. No adro. E, um pouco mais além, no carvalhedo – local de sombras maravilhosas e recantos delicados. Para a dança. Para a comezaina. Para o amor.
Chegada a hora, os foguetes alinhavam-se ao longo da ponte, como soldados na parada em Dia de Regimento. Os fogueteiros – dois – iam desafiar-se nos ares. Qual deles apresentaria fogo mais rijo?
— “Este ano, ganhou o de Ferreiroz.”
— “Ah fogueteiro de uma cana!”
Era assim, no passado, um passado longínquo, a festa de Agosto, a festa do dia 5, a Festa da Senhora.

A. Lopes Pires

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Capítulo de Verão e Dia Nacional do Vinho Julho de 2009

Fruto da boa relação entre a Confraria e a UDACA, foi no espaço desta instituição que decorreu a atividade que assinalou o Capitulo de Verão e o Dia Nacional do Vinho. Por ser Verão, o evento foi assinalado num sábado à tarde, com uma conferência proferida pelo Sr. Eng. Carlos Silva “A Região Demarcada do Dão”, uma prova de vinhos do Dão sobre a orientação do referido enólogo, seguido de um jantar cuja ementa fazem parte sardinhas assada, febras e entrecosto grelhado com batata cozida à racha e caldo verde, a sobremesa foi fruta da época e queijo da Serra, a refeição foi servida pelo Sr. João de S. Gemil e a direção da UDACA ofereceu os vinhos.









sexta-feira, 1 de maio de 2009

BEIRÕES DE MÉRITO 2009

Em 24 de Abril de 2009 Aniversário da Confraria e Reunião do Novo Senado
Capitulo da Primavera e entrega de Beirões de Mérito na Quinta do Pruvor - Fail
Foram distinguidas neste ato as seguintes personalidades
-Mérito Desportivo - Fernando Ferreira e Filinto Ferreira
-Mérito Carreira a Titulo Póstumo - Dr. Fernando Amaral Ex. Presidente da Assembleia da Republica
-Mérito Artistico - Pedro Albuquerque grande artista da cidade de Viseu
-Mérito Carreira - Lopes da Rosa, rádio Caramulo
-Mérito Confrádico - José Ernesto Pereira da Silva





























terça-feira, 7 de abril de 2009

OVOS DA PÁSCOA


Ovos de Páscoa, que delícia!
Que sabor tão característico e apetecido nesta época do ano!
Esmeradamente, coloridos com cores garridas ou, simplesmente, tingidos com cascas de cebola – material de fácil acesso em todas as casas, ricas e pobres, das aldeias – folhas de hera, que lhes conferem uma tonalidade amarelada, ou beterraba, dando-lhes uma cor vermelha forte, surgem em todas as mesas na época festiva da Páscoa, em casa de cristãos e não cristãos.
As habitações, nesta quadra da Ressurreição do Cristo Crucificado, enchem-se de alegria e cor: ele são as aleluias e o alecrim, enfeitando portas e gradeamentos na recepção festiva à visita do Senhor Ressuscitado, ele é a laranja com o tostão cravado, por sobre alvas toalhas de linho, na mesa principal da casa, ele é o pão de ló, os folares da Páscoa, as amêndoas, os ovos tingidos…
Os nossos avós, tal como muitos de nós hoje, ao prepararem os ovos da Páscoa, decerto ignoravam a origem deste costume milenar, adoptado por diferentes culturas, crenças e religiões e alegremente posto em prática todos os anos, nesta época – o ovo é símbolo de vida, de nascimento e é natural que o povo tenha fixado a tradição na quadra Pascal, também ela plena deste espírito de ressurreição e vida (a título de curiosidade, este costume de origem não católica – há registos de oferendas de ovos entre os povos pagãos como símbolo comemorativo da chegada do equinócio da Primavera – passa oficialmente a ser símbolo católico no século XVIII, quando a Igreja o adopta como elemento de ressurreição e vida).
No entanto, a tradição de presentear a família e amigos com ovos coloridos, remonta aos chineses ancestrais e a época por eles escolhida para esta oferta era a comemoração da festa da Primavera – toda ela imbuída de sentimentos de vida, de renascimento, de esperança.
Adoptada, como já foi dito, por diferentes culturas, esta tradição correu mundo, mantendo-se até hoje.
No Egipto, as pessoas têm o hábito de distribuir ovos entre si, no início da Primavera, celebrando, festivamente, a chegada desta estação. Na Europa Ocidental, os ovos são cozidos e decorados com cores garridas, servindo, depois, para decorar as mesas ou serem ofertados a familiares e amigos no dia de Páscoa. Na Europa Oriental, existe o costume de as crianças esconderem um chapéu e, se o seu comportamento tiver sido bom ao longo do ano, encontrarão nele os ovos na noite anterior ao Domingo de Páscoa, como recompensa. Nos Estados Unidos, há o costume da “caça ao ovo” que, em algumas cidades, se transformou em autêntico evento comunitário. Os ovos são escondidos em casas, quintais e jardins, havendo uma verdadeira correria em busca deles. Na América Latina e Brasil, as crianças constroem ninhos de Páscoa que servem para o coelho – portador dos ovos da Páscoa e simbolizando, também, tempos de mudança ao sair da toca na época primaveril – pôr os ovos na madrugada da Páscoa. Na China celebra-se, no mesmo período, o chamado Ching-Ming ou seja, a festa da “Suprema Claridade” também conhecida como a festa da “Limpeza dos Túmulos”, levando milhares de chineses, em verdadeira romaria, aos túmulos dos seus entes mais queridos para os homenagear. Os túmulos são limpos, as pinturas reavivadas e as ofertas das mais variadas: incenso, bebidas, tabaco, patos e leitões assados, doces e outras tantas iguarias onde os ovos também imperam.
A tradição dos ovos de Páscoa, também foi apropriada pelo povo português. Desde há anos nas nossas casas, eles embelezam a mesa, eles são ofertados a familiares, a amigos e a afilhados – como elemento sagrado, como símbolo de vida ou, simplesmente, como uma das muitas tradições a preservar.

Maria Odete Nunes Madeira
Passos de Silgueiros, 12 de Fevereiro de 2007
(Chanceler-Mor da Confraria de Saberes e Sabores da Beira, “Grão Vasco”)

Festa da Primavera e Sessão do Nobre Senado

Data: Viseu, 5 de Abril de 2009

Assunto: Jantar de Aniversário e Capítulo de Primavera

- Prémios “Beirão de Mérito” e Nobre Senado

Dia: 24 de Abril, sexta-feira, 20:00h

Local: PRUVOR Eventos – Qta do Pruvor – Fail

Caros Confrades,

Com o pretexto de assinalar a chegada da Primavera e a passagem de mais um aniversário da nossa Confraria, vamos promover mais um momento de confraternização. Como vem sendo hábito, e porque o momento é de festa, este é, também, o evento que marca a atribuição do Prémio “Beirão de Mérito”, a forma encontrada pela Confraria para premiar personalidades e/ou instituições que, de diferentes formas, têm contribuído para a promoção e divulgação das terras da Beira.

Dando cumprimento ao plano de actividades, o Jantar será precedido da Sessão do Nobre Senado.

Contamos com a presença de todos os confrades neste jantar desafiando-os a provar a ementa que seleccionámos, e que se propõe conciliar os sabores tradicionais da Beira com a cozinha moderna.

Ementa

Para começar, Salpicão, presunto, chouriço, queijo da serra, bolinhas de carne, pastéis de bacalhau, orelheira, salada de polvo e carapauzinhos fritos, feijoca, morcela da Beira com maçã caramelizada, rojõezinhos com cominhos e pernil.

Sopa Sopa de legumes com aroma de presunto.

Os quentes, Bacalhau com crosta de broa de milho, batatas assadas e couve com aroma a alho e azeite e

Lombinho de porco recheado com figos e amêndoa servido com migas de alheira de caça.

Para terminar, Maçã Assada recheada com leite-creme, Fruta Laminada, Espetadinhas de fruta natural e Bolo de Aniversário.

As bebidas, Água, Vinho Branco e Tinto do Dão, Café e Espumante

Custo de participação: 25,00

Inscrições até ao dia 20 de Abril para:

Confraria de Saberes e Sabores da Beira Grão Vasco – Av. Gulbenkian, 22, r/ch, 3510-055

José Ernesto – 917601211; Marina Barreiros – 965887580; Paula Teixeira – 939908098

Confraria.graovasco@sapo.pt

Saudações Beirãs

O Almoxarife

(José Ernesto Pereira da Silva)

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Trazer Traje Confrádico

segunda-feira, 16 de março de 2009

AMENTAR OU EMENTAR AS ALMAS

Quaresma, tempo de abstinência, reflexão, penitência mas tempo também de recordar quem partiu.
Um pouco por todo o lado, homens, nalgumas regiões, mulheres, noutras e homens e mulheres, noutras tantas, juntavam-se no período quaresmal para, diariamente, cantarem e rezarem às almas.
De essência cristã, a amenta, ementa ou encomendação das almas era uma das tradições quaresmais mais respeitadas e acarinhadas pelo povo português.
As almas dos entes queridos, sujeitas às penas do purgatório, necessitavam das preces dos vivos para alcançarem a vida eterna. Quaresma fora, em condições climatéricas tantas vezes adversas, o grupo da ementa das almas ia para a rua cantar e rezar às almas, no sentido de que, quem, no quentinho dos seus lares o ouvia, se lhe juntasse nas preces pela salvação de parentes e amigos falecidos:
“Ó irmãos que estão na cama
nesse sono tão profundo,
lembrai-vos das vossas almas
que lá estão no outro mundo.”
P. N. A. M.
Pouco antes da meia-noite, um a um o grupo ia-se concentrando no adro da igreja. Ninguém falava; ninguém olhava para trás. O medo impedia-os de quebrar a tradição; as almas penadas, os fantasmas, as figuras mais ou menos grotescas e fantasmagóricas que povoam as noites e o imaginário de tantos, rondavam o lugar esperando um deslize, atacando os incautos. Grupo completo, tocava a campainha e iniciava-se o ritual. Todos se benziam e o cântico começava:
“Na hora de Deus começo,
Pai, Filho e Espírito Santo
Por ser o primeiro verso
Que neste auditório canto.”
P. N. A. M.
Seguiam-se sete poisos. O mesmo ritual. Durante quarenta dias ouvia-se por toda a aldeia o cântico arrepiante e lúgubre do amentar das almas. Em casa, tremendo de medo por sob as cobertas, as pessoas rezavam, fervorosamente por pai, mãe, filho ou marido já desaparecidos. Em Sábado Maior tudo terminava em grande festa de alegria e Ressurreição. Durante o dia preparavam-se coroas, desfolhavam-se flores que iriam embelezar cada um dos sete poisos no final de cada cântico. O grupo finalizava o ritual na capelinha da Senhora da Guia, no bairro do Cimo da Aldeia. Terminado o amentar, ainda em silêncio, o Zé Alho, o mais velho do grupo, dava o tom e todos cantavam um cântico final a Maria, pedindo protecção para as suas próprias almas:
“Nome de Maria,
Que tão lindo é
Salvai a minha alma
Que ela Vossa é.”

Quaresma, quarenta dias de jejum e abstinência que medeiam entre a Quarta-Feira de Cinzas e a Páscoa, dia grande da festividade da Ressurreição de Cristo. Em termos bíblicos, o número quatro simboliza o universo material, as provações, dificuldades, sacrifícios, por que passa a Humanidade na sua passagem pelo mundo terreno.
Quaresma, quarenta dias de sacrifício, provação e penitência de Jesus no deserto.
Quaresma, quarenta dias de abstinência, reflexão e penitência dos crentes; quarenta dias de sacrifício e penitência pela salvação das almas; quarenta dias de sacrifício e penitência do grupo da amenta pela expiação das próprias falhas preparando, assim antecipadamente, a entrada no Céu quando a hora de cada um fosse chegando.

Maria Odete Madeira
Passos de Silgueiros, 2 de Março de 2009
(Chanceler-Mor da Confraria de Saberes e Sabores da Beira, “Grão Vasco”)

MARIA CARPUÇAS




A noite de quarta-feira, a quarta da Quaresma, era uma noite diferente. Era a noite da Serração da Velha.
Durante todo o longo período do tempo santo da Quaresma, o povo, temente a Deus e respeitador das tradições da sua religião, punha de parte as danças e folguedos. Trocava-os pelo recolhimento, pela ponderação.
Nestas sete semanas, a excepção era a quarta-feira do meio da Quaresma. Nessa noite, rapazes e homens podiam, à vontade, dar livre expressão ao seu desejo de folgar, bloqueado desde Quarta-Feira de Cinzas; apenas durante uma noite, mas sempre bem aproveitada.
Reunidos em grupos de duas dezenas ou mesmo mais, chefiados pelo testamenteiro, vulgarmente chamado pregador, faziam-se acompanhar de grandes chocalhos e lataria, tudo quanto pudesse fazer barulho. E também do cortiço e do serrote; para serrar com grande e característico ruído — para serrar a velha.
A escolhida, como se depreende, era sempre senhora idosa. Das mais velhas da aldeia.
E para ser uma boa escolha, tinha de ser alguém que tivesse filhos — para que os serradores pudessem ser considerados seus netos — mas que, acima de tudo, se revelasse o mais possível avessa à função.
As que, logo de início, reagiam com palavras amigas, convidando: — Vinde, meus netinhos, vinde beber qualquer coisa, que deveis estar cansados — eram de imediato deixadas em sossego, por demasiado pacíficas e, por isso, sem interesse.
Boa para a luta desejada era, todos os anos, a ti Maria Carpuças. Primeiro do postigo, depois do patamar do seu cardenho, respondia ao desafio com impropérios, com insultos, com palavrões.
De baixo, a malta, chefiada por ti Diamantino, começava:
— Chorai, netinhos chorai, que a vossa avó vai morrer. E toda a gente respondia ao convite, em altos gritos, "chorando" a perda iminente daquela "avó".
E chocalhava. E chocalhava, num barulho infernal.
Era o início de uma batalha que só vinha a terminar quando entendiam que a velha estava devidamente serrada. E sempre tendo em conta as suas reacções mais ou menos violentas.
O testamenteiro continuava:
— Ó velha, aqui estão os teus queridos netos. Sabemos que vais morrer. Antes, porém, precisas de fazer o teu testamento, das palhas que leva o vento. Diz-nos, pois, as tuas deixas:
— A quem deixas a tua galinha? — À minha melhor vizinha.
— E o teu rosário de agonia? — Ao padre da freguesia.
— E a quem deixas a palha do teu colchão? — Essa é para o ninho do meu cão.
— E para quem fica o teu tonel? — É para o meu filho Manuel.
Sempre rimando, o testamenteiro lá dava a volta a todos os haveres. Fazendo as perguntas e dando as respostas, conseguia verdadeira crítica social, pelas pessoas que associava aos objectos a doar.
Chorai netinhos, chorai,
Que a nossa avó vai morrer;
Lágrimas de quatro a quatro
Não a deixeis esquecer.

De novo o choro, os gritos, as lamentações. E os chocalhos, o barulho infernal.
Estava terminado o testamento e a chegar ao fim a serração daquela velha, a ti Maria Carpuças. Que, entretanto, estava completamente rouca de tanto berrar, de tanto barafustar, de tanto insultar. E cansada também de arremessar sobre o inimigo tudo quanto pudera armazenar para o efeito: água, pedras, cavacas, líquidos orgânicos.
O testamenteiro, antes de terminar, ameaçava ainda:
— Ó velha, se desta escapares, fica já combinado que, para o ano, cá voltaremos para te serrar. E para isso, fica também já nomeado o José Silva de Vila Nova, que tem um irmão que te espeta e outro que te leva à cova.
Era o fim.
A malta partia, finalmente, entre grande chocalhada e vozearia.
Mais adiante, em absoluto silêncio, marchava a caminho da próxima vítima.

António Lopes Pires

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

CARETO DE LAZARIM


ENTRUDO

Os grandes dias eram o Domingo Gordo e o Dia de Entrudo. A dança começava cedo. Novos e velhos estavam presentes: para dançar; para ver; para parodiar; para aplaudir. As danças de todo o ano enchiam a tarde. A Delina da Pedra e a Maria da Maça eram as principais, chamando para a roda, criticando os ausentes:

Quem seria a mascareta?
Quem seria a mascarota?
Mascareta que não dança,
Olha a mim que se me importa!

E continuavam com um sorriso maroto, ao mesmo tempo que se abraçavam alternadamente ao par da esquerda e ao da direita:

Dá-me um só beijo,
Dá-me um só dá;
Mascareta que não dança,
Olha a mim que se me dá.

O Manel da Inácia muito gostava desta dança! E o que ele sofria? Aquele afago da Delina – braço suavemente poisado em volta do seu pescoço, cabeças encostadas, faces quase se roçando…
- Dá-me um só beijo…

Deixava-o sufocado. O raio da rapariga dançava com ele horas a fio, dava-lhe todos os entenderes, mas aceitar o seu amor, isso mais devagar. Como dizia a Helena do Pífaro:

- Trázio à corda!

De repente, a roda partia, a dança parava. Eram o Manel da Grila, o Zé Bisnau e os outros. Haviam-se aproximado sem dar nas vistas, disfarçadamente. De supetão, saltavam para elas – a enfarinhar, a enfarruscar, a enfarinhar, a enfarruscar. Gritos, algazarra, gargalhadas, alguns insultos pelo meio.
Pouco depois, tudo voltava ao normal. Do incidente, que se repetiria vezes sem conta, ficavam no ar os últimos comentários e sorrisos:

- Por esta não esperavas, ó Toino.

De verdade, aquela Gracinda da Feira tinha força como um burro. Os seus braços castigados por horas e horas a tirar água de balde no engenho da Felgueira, aguentaram o embate mantendo o inimigo à distância.

- Botei-lhe a mão esquerda ao cachaço, dizia, saboreando as palavras, que ele nem buliu. Só esperneava.

E enquanto isso, com a direita, sacou do bolso campeiro do avental um bom punhado de cinza que enfiou ao desgraçado pela boca, pelo nariz, por onde pôde. O triste, engasgado, a espirrar, a tossir, foi-se dali acagaçado, jurando vingança.
Depois eram os máscaros. Aos pares, isoladamente ou em pequenos grupos, muito bem disfarçados, de caras e até de mãos escondidas para não serem identificados.
O Samuel Alho, às tantas, passava com a sua funçanata. Mais de vinte máscaros. Ao som de infernal orquestra, iam evoluindo de acordo com o ensaiado e as ordens do mestre, dadas através de fortes assobiadelas.
Quem também nunca faltava era o Moira trazendo em cada ano uma novidade, com aquela sua graça natural que todos conheciam e apreciavam. Em grande penico de barro, comprado especialmente para o efeito, deitou uns bons cinco quartilhos de vinho branco onde pôs a boiar grandes pedaços de chouriça. Calmamente, sem pronunciar uma palavra, rua abaixo, rua acima, ia oferecendo do petisco. Caras horrorizadas, gestos a despedir o atrevido. Ele, então, tranquilamente, limpava o bigode às costas da mão e bebia do penico, piscando maliciosamente os seus olhos miudinhos.
O Toino manco não gostara nada do tratamento recebido da Gracinda. Uma destas nunca lhe acontecera. Vá que ele tinha um defeito na perna esquerda; mal de nascença a que ao tempo ninguém ligara; mas tinha força de homeme nunca fugira a brigar nem confessava medos. Porém, o raio da rapariga filara-o pelo pescoço com tais ganas que ele não teve tempo para mais nada. Depois, com a boca, o nariz e os olhos cheios de cinza, que mais podia fazer?
Saiu dali amarfanhado, mas garantindo que ela lhas havia de pagar.
Já noite entrada, passou por casa, foi à loja e pegou no panelão de barro preto de Molelos, já esbeicelado e rachado no fundo, onde deitara umas vinte dúzias de bugalhos que pacientemente havia juntado.
Panelão debaixo do braço, na calada, saiu pelo quintal do Chambelador, direito ao rio. O caminho era mais longo por ali; mas mais seguro. Pelo largo do Sanomédio havia ainda muita gente capaz de lhe descobrir as intenções e de deitar a perder todo o seu plano.
Com ligeireza atravessou as poldras saltando de pedra em pedra. O luar não era muito; mas dava para ver reflectido na água o seu sorriso de triunfador. Subiu a ladeira até à casa da Augustinha. Aí, coseu-se à parede e, pé ante pé, seguiu em frente.
No largo da Ferradora virou à esquerda. Trinta, quarenta passos adiante, lá estava a casa da Gracinda. Passou em frente para entrar pelas traseiras do cortelho, saltando o muro. Apurou o ouvido. Lá dentro conversava-se animadamente. Não dava para entender, mas não seria difícil adivinhar que falavam dos acontecimentos do dia, enquanto preparavam o caldo e as batatas da ceia.
O coração batia-lhe apressado. O panelão dos bugalhos parecia-lhe agora mais pesado. Tinha de subir os dez a doze degraus da escada que conduzia à varanda, donde, pela janela, o atiraria para o interior. Ouvia agora, claramente, a ti Laurinda:

- Queres mais caldo? Deixa ver a malga.

Iria em frente? Ou desistiria?
Afoitou-se. Subiu. Lá em cima, por uma frincha do postigo, viu passar uma réstia de Luz.

- Está só encostado

Avançou. De repente, empurrou o postigo e arremessou o panelão que, com enorme estrondo, se escaqueirou, espalhando os bugalhos por toda a casa.
Gritos, gritos e mais gritos foi o que se ouviu. Apanhadas assim de surpresa, outra coisa não puderam fazer.
Num pulo, perna fanfa a dar a dar, desceu as escadas para se pôr na alheta. Em baixo, hesitou. Por onde sair? No caminho já se ouviam vozes: da Augustinha, dos filhos e da Ferradora que, ouvindo o griteiro, acudiam pressurosos.

- Pelos quintais, pensou.

Deu meia volta e ele aí vai. Com a pressa e o escuro, junto ao poleiro das galinhas, aquele pé esquerdo fê-lo tropeçar em algo que o desequilibrou e deitou ao chão. Era um cântaro de barro que se espatifou completamente com o peso do seu corpo. Todo molhado, levantou-se e, sempre a correr, saltou o muro e desapareceu quintais adentro.
Lá longe, ofegante da corrida, mas radiante pelo sucesso da sua expedição, e vingado da vergonha da tarde, sentou-se para descansar. Estar assim todo molhado não lhe agradou; mas enfim…

- A roupa seca depressa.

Nisto, sentindo um cheiro desagradável à sua volta, um pensamento lhe passou pela cabeça:

- Será que…

Cheirou as mangas do casaco, o peito da camisa, as pernas das calças e torceu o nariz.

- Rai’s a partam. Pois não era o cântaro das couves?

Sim senhores. Era o cântaro onde a Gracinda, a mãe e a irmã mais nova vinham juntando, há mais de quinze dias, a urina que, depois de diluída em água, havia de adubar as couves do quintal.

António Lopes Pires