sábado, 21 de junho de 2008

Confraria Grao Vasco apadrinha Academia Gastronómica e Cultural da Caça

A Confraria dos Sabores e Saberes da Beira - Grão Vasco apadrinhou a nova Confraria Academia Gastronómica e Cultural da Caça.
A cerimónia de entronização, que contou com a presença de ilustres individualidades oriundas de vários pontos do país, realizou-se no passado dia 24 de Maio, pelas 16h, na Igreja da Misericórdia, sendo servido o jantar no Hotel Rural Vila Meã.
Foi uma grande honra para a nossa confraria apadrinhar este acto.

Confraria Grao Vasco apadrinha Academia Gastronómica e Cultural da Caça
















De São João a São Pedro

No ar há alegria!
A pequenada busca nos pinhais vizinhos do povoado o rosmaninho que trará muita animação às ruas da aldeia, nesta noite festiva e especial. Festa do fogo no paganismo, o cristianismo transformou-a em festa religiosa honrando S. João Baptista. No entanto, o elemento pagão ainda hoje permanece vivo nas tradições populares com as fogueiras de S. João.
Nos campos espetam-se, ao fim da tarde, ramos de codeço ou hastes de castanheiro para afugentar as bruxas, para livrar o milho das “bichas” ou para abençoar e fazer produzir as colheitas desse ano.
Noite serrada, acendem-se fogueiras, queimam-se rosmaninhos e a alegria estende-se e contagia a alma e os corações de toda a gente. Esquecem-se tristezas, desgraças, preocupações e tantas outras agruras do dia-a-dia. Os mais audazes saltam por sobre o fumo intenso e perfumado que o rosmaninho verde provoca para “tirarem a ronha”, que é como quem diz, para se purificarem e exorcizarem de todos os males. E cantam; e dançam; numa alegria total e contagiante.
Pelas ruas da aldeia, ouvem-se bandos de mulheres com suas vozes romanceadas a cantar:

De S. João a S. Pedro
Quatro, cinco dias são;
Ala, ala S. João ala, ala.
Este tempo é que nos regala.

Regala-me o teu cantar
O teu cantar me regala;
Ala, ala S. João ala, ala
Este tempo é que nos regala.

É a noite de S. João!
Nesta noite que o povo simples e ingénuo continua a conotar com o amor, com a paixão, com os problemas do coração, as moças casadoiras, ansiosas por encontrar os seus bem amados, buscam as suas sortes amorosas por meio de “sortes” e mezinhas. A “sorte” dos ovos é, talvez, a mais utilizada: na noite de S. João, mais precisamente à meia-noite, parte-se, cuidadosamente, um ovo de galinha e lança-se num copo cheio de água que se deixa ao relento. No dia seguinte, conforme o desenho da clara na água assim será a profissão do futuro namorado. Há jovens que ao procederem a este ritual dizem:

S. João, de Deus amado
S. João, de Deus querido
Dai-me a minha boa sorte
Neste copinho de vidro.

Outras procuram a sua sorte colocando-se à meia-noite em frente a um espelho, acendendo uma vela e descobrindo, à medida que na torre da igreja dão as doze badaladas, que rosto se irá reflectir no espelho pois, crêem, esse será o do seu amado. A folha da oliveira também prognostica amores, por isso há quem tente a sua sorte com três folhinhas de oliveira. Estas, depois de a moça dar um nome a cada uma delas, são lançadas ao lume dizendo-se:


Ó meu S. João, de Deus,
Ouvi-me que eu sou solteira;
Destinai o meu marido
Nestas folhas de oliveira.

A primeira folha que estalar dirá qual o nome do futuro marido. Mas não confiantes nestas sortes, ainda apelam, como quem reza, ao santinho:

Em louvor de S. João,
A ver se o meu amor
Me quer bem ou não!

Noite dentro, a festa continua. Desta vez quem impera são os rapazes. Revestindo-se de todas as artimanhas possíveis e imaginárias, roubam aos menos cautelosos vasos de flores, utensílios agrícolas, enfim, tudo o que lhes vier à mão. Geralmente, os vasos vão embelezar os degraus da igreja, o velho chafariz de granito ou a fonte medieval no centro da aldeia, enquanto os utensílios agrícolas são espalhados pelos locais mais improváveis, obrigando os donos a calcorrear, furiosamente, todos os caminhos da aldeia em busca do que é seu. Enfim, são as marcas de S. João para gáudio de uns e desespero de tantos!
É dia de S. João!
O cheiro a rosmaninho ainda percorre a aldeia. Ainda há, aqui e ali, vestígios de uma festa que durou quase até ao amanhecer, trazendo nostalgia aos mais velhos e brincadeira, esperança e muita alegria aos mais jovens.


Maria Odete Madeira
(Chanceler-Mor da Confraria de Saberes e Sabores da Beira, “Grão Vasco”)

quinta-feira, 19 de junho de 2008

AS MAIAS




O mês de Maio simboliza o triunfo da natureza em que esta fecunda e procria após um longo Inverno estéril, improdutivo.
Já nos finais do século XIX Rocha Peixoto dizia que “As festas populares de hoje têm, de ordinário, a origem nos cultos naturalistas de outrora” (1) e a Igreja mais não fez do que apoderar-se de alguns desses costumes politeístas e cristianizá-los. Assim nos aparecem os Santos substituindo as divindades pagãs, o vinho e o trigo, já celebrados na antiguidade e adaptados pela Igreja Católica como símbolos de sacrifício, personificando o Corpo e o Sangue de Cristo, e assim muitas outras manifestações onde as Maias também bebem as suas origens.

De acordo com a fitomitologia (2), existem dois grandes grupos de plantas: as boas e as más. As giestas alcançaram a simpatia do povo sendo consideradas plantas benfazejas pois, segundo a lenda, “Quando Cristo andava pelo mundo, foi procurado pelos judeus para o matarem, e como estes o vissem entrar para uma casa, colocaram-lhe à porta um ramo de giestas, para no dia seguinte o prenderem. Nesse dia, porém, todas as casas da povoação (por encanto ou por milagre) apareceram marcadas, e os judeus não puderam dar com ele.” (3)

A lenda remete esta tradição para o tempo de Cristo, no entanto, estudiosos há que a reportam ao tempo da divindade Flora, deusa da floração figurando ornada de grinaldas e flores, venerada pelos Sabinos (antiga tribo da Península Itálica) muito antes da fundação de Roma. Os jogos florais em honra desta deusa tinham início no primeiro dia do mês de Maio e as mulheres dançavam e cantavam noite e dia, coroadas de flores. Por outro lado M. Rodrigues Lapa, diz-nos que “as maias não eram mais do que a projecção medieval dum culto antiquíssimo de Vénus: no primeiro dia de Maio, bandos de moços e de moças iam à floresta buscar flores e ramos e cantavam e bailavam em roda, celebrando o Amor e a Primavera” (4).

A origem deste costume é, certamente, incerta perdendo-se na lonjura dos tempos. Contudo, a ideia de que o Homem deve contribuir para o renascer da natureza no período primaveril é um conceito universal e encontram-se manifestações semelhantes às portuguesas um pouco por todo o mundo, exactamente neste princípio do mês de Maio. Em terras lusitanas as manifestações das Maias variam de região para região. Na região norte, há a crença de que se não se colocar a Maia à porta, vem “o Maio a cavalo num burro branco, a quebrar a louça.”
Ainda na mesma região, há o costume de os rapazes fazerem uma coroa de Maias a qual é colocada à porta da namorada ou da rapariga a quem pretendem pedir namoro. Já em Trás-os-Montes e a par de outras manifestações usuais deste dia, há o hábito de as pastoras enfeitarem o animal mais formoso do seu rebanho com flores e fitas, percorrendo depois as ruas da aldeia com o seu rebanho, encabeçado pelo animal enfeitado e ladeado por duas jovens vestidas de branco à volta do qual se canta e dança ao som de pandeiros e castanholas.
Na região centro, para além das giestas à porta, evitando a entrada de maus olhados e outros malefícios, os rapazes vestem-se de giestas e correm as ruas a pedir o Maio. Os donativos que recebem – dinheiro e principalmente castanhas – servirão para preparar o manjar cerimonial mais significativo desta quadra festiva (em muitas regiões do nordeste transmontano e das beiras é usual guardarem-se castanhas para se comerem neste dia pois crê-se que “evita os mordos do burro” e “livra, quem as come, de todas as maleitas” ). Mais para sul, costuma-se fazer uma boneca de palha, à qual chamam a Maia. Esta é ornada de flores e à noite as moças cantam e dançam em seu redor:
“O meu Maio-moço
Ele lá vem,
Vestido de verde
Que parece bem.”

“O meu Maio-moço
Chama-se João,
Faz-me guarda à casa
Como um capitão.”

Por vezes a Maia é mesmo uma rapariguinha vestida de branco e coroas de flores na cabeça que, rodeada por um bando de jovens, vai de porta em porta pedir:
“Esmolinha à Maia,
para um pandeiro;
que não tem dinheiro!”

Geralmente a população colabora no peditório. Mas para aqueles que nada dão o grupo lança a seguinte tirada:
“Este Maio é de lírios
E o vosso é de assobios!”

Os manjares cerimoniais são outra das características deste período. Um pouco por todo o país se crê que, comendo determinados manjares neste dia, o Maio ou o Burro (entidades maléficas) não entram com as pessoas desde que estas tenham comido destes manjares. No norte e centro do país resume-se, basicamente, a comer castanhas, como atrás ficou dito.
É, no entanto, no sul do país que este aspecto adquire especial relevância. Há o costume de a primeira refeição do dia ser composta pelo “Queijinho de Maio” (bolo feito à base de figos secos, amêndoas, açúcar, erva-doce e canela) acompanhado pela aguardente de medronho. Em todas as casas se faz, pelo menos, um bolo para ser, obrigatoriamente, comido neste dia.

É, ainda, no dia 1 de Maio que o povo pede à Virgem protecção para as sementeiras e enramalha com giestas e outras plantas, de bem-fazer, os currais do gado impedindo, assim, que o quebranto ou mau olhado entrem.


Maria Odete Madeira
(Chanceler-Mor da Confraria de Saberes e Sabores da Beira, “Grão Vasco”)

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1) Peixoto, Rocha, Etnografia Portuguesa, Publicações D. Quixote, 1995, pág. 51.
2) O termo Fitomitologia (a Botânica com poderes de bem e de mal), pouco vulgar e utilizado, aparece referido na obra Etnografia Portuguesa, de Rocha Peixoto, pág. 54.
3) Oliveira, Ernesto Veiga, Festividades Cíclicas em Portugal, Publicações D. Quixote, 1995, pág. 98.
4) Chaves, Luís, Expressões Populares do Alto Alentejo, “Revista Lusitana”, Vol. XXXVI, Lisboa 1938, pág. 283.